sábado, 16 de abril de 2011

ENCONTRO COM O CINEASTA EDUARDO ESCOREL, COORDENADOR DA PÓS EM DOCUMENTÁRIO DA FGV


Hoje cedo participei de um encontro com o cineasta Eduardo Escorel. O evento foi promovido para a divulgação do curso de pós-graduação em Cinema Documentário, da Fundação Getúlio Vargas, a FGV, que começa no próximo dia 7 de maio.

Documentário x Ficção
Além de falar um pouco sobre o conteúdo do curso que coordena, Escorel aproveitou para levantar questionamentos sobre “o que é a verdade num documentário?”, refletindo a pretensa condição de a câmera ser uma testemunha observadora dos acontecimentos reais na mão de um documentarista.


Herzog
Para isso, o coordenador acadêmico exibiu trechos do  filme 'Sinos do Absimo: Fé e Superstição na Rússia', do cineasta alemão Werner Herzog, exibido  no mês passado no festival internacional de documentários “É Tudo Verdade”. 

O longa conta a história dos habitantes de uma cidade perdida na Sibéria, Kithez, que teria sido congelada debaixo de um lago profundo - onde se encontraria até hoje e de onde alguns ainda afirmam ouvir o badalar dos sinos da igreja.

                       

Escorel contou o que Herzog falou sobre o o filme:
"O melhor do filme é fabricado. Eu queria conseguir planos de peregrinos se arrastando no gelo, tentando captar de relance uma imagem perdida... Mas como não havia nenhum peregrino nas redondezas, contratei pessoas de uma cidade próxima e os coloquei sobre o lago congelado. Pareciam estar em meditação, mas na verdade estavam bêbados. Chegamos a precisar acordar alguns deles durante a filmagem."

Se Herzog assumiu que contratou as figuras, como podemos saber que todo o resto da história também é verdade? Esse era o questionamento inicialmente proposto por Escorel.

Durante o debate de ideias, argumentei: “Documentaristas são reféns de imagens, não se faz cinema sem elas! Assim a produção pode ser um opção para criar a narrativa”.

Escorel rebateu dizendo que Herzog adoraria minha observação. Segundo ele, o cineasta alemão assim justificou a escolha da linguagem usada: "Eu não sou um documentarista, sou um contador de histórias".

A linguagem cinematográfica
Documentário não é um gênero tão cristalizado quanto o cinema de ficção, mesmo no campo da inovações de linguagem. 

"No cinema de ficção de hoje em dia, temos a impressão de que já vimos esses filmes ou, pelo menos, cenas parecidas. Nos documentários, eu me questiono com certa regularidade sobre a definição desse formato, sempre encontrando inovações. Há inúmeros exemplos tanto entre os mais tradicionais como com gente nova que está começando", completou Escorel.


Matuszewsky 
Boleslas Matuszewsky é o nome de um fotógrafo e cinegrafista russo, que em março de 1898, em Paris, escreveu"Une Nouvelle Source de l'Historie" (creation d'un d'epot de cinematographie historique). 

Ignorado por quase 50 anos, foi redescoberto por pesquisadores poloneses como a primeira pessoa que fez essa relação da imagem como documento, considerando o valor documental da imagem. Ele teve a intuição de que era importante preservar o que estava sendo filmado.



"De trechos engraçados, ele começou a pensar o cinema como um estudo do passado, propondo a necessidade da investigação, produção e preservação e estudo das imagens. A imagem poderia ser uma nova fonte da história. a imagem cinematográfica, substituindo a pesquisa histórica. Se fizermos um arquivo de imagens, teremos acesso direto à historia”.



Será que podemos dizer que a imagem da camera é testemunha???

Vulcao Etna
Jean Epstein, foi fazer documentário sobre erupção do vulcão Etna. Era o ano de 1923. Tudo se perdeu. Só sobraram  duas fotos do filme. escreveu um texto de 26 " o cinematografo visto do Etna" sobre o papel e do observador na modernidade, num período onde se constituiu o que conhecemos como cinema documentário.

O cineasta francês também fazia questionamentos, como o russo.


Hyppolite Bayard
Em 1840, o fotógrafo francês Hyppolite Bayard produziu o primeiro auto-retrato da história, numa cena bem inusitada por sinal: mostrando o seu próprio suicídio.  Na verdade, a imagem que se tornou um ícone era uma forma de protesto contra o posicionamento de descaso do governo francês em relação aos estudos que ele fazia da fotografia, arte recém descoberta na época. 

Como explicou Escorel, “ele ironiza a representação da realidade no auto-retrato de seu suicidio”.





Shoa
Outro doc mostrado foi ‘Shoah’, do francês Claude Lanzmann. Com 10 anos de produção e 9 horas de duração, o cineasta usou cenas reencenadas para mostrar  o que tinha acontecido no passado no extermínio dos judeus pelos nazistas. 

“Diferente do que Herzog faz, neste caso, ele mostra que a reencenação é parte inerente do cinema documentário e não podemos excluir isso desse campo”, disse Escorel.




           


Afinal...
Em síntese, três pontos importantes foram destacados no final da reflexão:
1. Podemos dizer que um documentário se dedica a mostrar os eventos, mesmo que não tivessem sendo filmados ou fotografados?

2. Há eventos que só ocorrem porque tiveram pessoas com a iniciativa de registrá-los.

3. A questão da reencenação é uma linguagem possível, a exemplo da obra-prima Nanook do Norte, de Robert Flaherty, onde as cenas do cotidiano dos esquimós foram todas produzidas.

E depois de pouco mais de duas horas do encontro, tudo isso só nos fez sair com uma certeza:
quaisquer definições sobre o que é um documentário e o que ele propõe a mostrar como real ainda dariam muito assunto para as aulas da pós da FGV.




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